Franz Schubert foi um grande compositor austríaco nascido em 1797 e tornou-se um dos principais influenciadores do período romântico. Desde criança, mostrou um enorme talento musical e aos 15 anos já havia composto sua primeira sinfonia, destacando-se como compositor consagrado. Assim, Schubert se tornou famoso com suas melodias belas e geniais, como a linha melódica da Ave Maria, tão tocada ao redor do mundo. Uma de suas obras de maior destaque é a Sinfonia nº 8, a sinfonia inacabada de Schubert. O compositor, infelizmente, teve uma vida breve e faleceu antes de concluir uma de suas obras mais profundas, complexas e belas.
Desde a sua morte, pelos últimos dois séculos, diversos compositores renomados contribuíram com suas próprias versões para o terceiro movimento da Sinfonia inacabada de Schubert, alcançando resultados memoráveis. Uma dessas versões foi feita recentemente e merece nosso especial destaque, pois foi composta inteiramente por uma inteligência artificial. Diferentemente do que poderíamos pensar, essa versão “artificial” da música não é previsível, repetitiva ou robótica, mas fluida e bonita o suficiente para enganar até mesmo músicos clássicos profissionais.
IA além da música
A criação de músicas por IA não é o único exemplo de expressão artística e criativa dessa tecnologia. Já é possível encontrar redes inteligentes capazes de pintar quadros que são negociados por centenas de milhares de dólares, geradas no estilo de artistas famosos como Pablo Picasso ou Vincent Van Gogh. Também, existem algoritmos que conseguem capturar e replicar o estilo de escrita de autores como William Shakespeare ou Ernest Hemingway. Outro exemplo impressionante é a aplicação das redes neurais para a geração de rostos de pessoas que não existem, como pode ser observado na Figura 1. As possibilidades são um tanto assustadoras e aparentemente infindas. Seria possível que a Inteligência Artificial de fato automatizasse a arte?
Introdução às redes neurais
Embora as aplicações de Inteligência Artificial tenham ganhado proporções incríveis nos últimos anos, esse termo não é necessariamente novo. Esse ramo da computação teve início por volta da década de 1950, e vem se expandindo desde então. Dentre as diversas ramificações dessa grande área, a aprendizagem de máquina e, em especial, as redes neurais são talvez as principais tecnologias responsáveis por permitir algo tão complexo quanto a expressão da criatividade humana por máquinas.
As redes neurais são estruturas matemáticas que, basicamente, permitem que uma máquina aprenda padrões. Como seu próprio nome indica, foram inspiradas na neurociência e no comportamento do cérebro humano.
Sabemos que a atividade mental consiste, de maneira simplificada, em estímulos eletroquímicos em redes de células do sistema nervoso chamadas de neurônios. Baseado nesse comportamento, as redes neurais também foram construídas com unidades atômicas chamadas neurônios, que se conectam em diversas camadas profundas e complexas. A modelagem matemática desses neurônios é relativamente simples: temos a princípio um determinado estímulo ou diversos estímulos que são entradas desse neurônio; tais entradas, por sua vez, são processadas por uma função de ativação; por fim, temos como saída um outro estímulo que será passado para um neurônio da camada seguinte. A Figura 2 traz um exemplo dessa unidade básica.
Arquiteturas de redes neurais
É importante destacar que existem inúmeras maneiras em que os neurônios podem se conectar e isso define a arquitetura da rede neural utilizada. Por exemplo, temos arquiteturas de redes que trabalham muito bem em problemas envolvendo imagens, como as redes neurais convolucionais. Existem também redes neurais recorrentes, que possuem diversas aplicações no ramo do processamento da linguagem natural.
Novas arquiteturas para diferentes problemas são propostos constantemente nos dias atuais, expandindo rapidamente a força dessa tecnologia. No contexto da criação de músicas, quadros ou diferentes tipos de artes utilizando a inteligência artificial, temos que destacar uma dessas arquiteturas: as Redes Generativas Adversariais – do Inglês GAN (Generative Adversarial Networks).
Redes Generativas Adversariais
A arquitetura GAN, criada pelo renomado Ian Goodfellow, utiliza dois tipos de redes neurais para conseguir replicar trabalhos artísticos: as redes neurais classificadoras (ou discriminadoras) e as redes neurais generativas. O primeiro tipo vêm sendo desenvolvido intensivamente nos últimos anos.
As redes neurais já se consolidaram como ótimas ferramentas para análise e classificação de imagens, sons, textos, dentre outros tipos de dados não estruturados. Com um grande conjunto de dados de treinamento, essas redes conseguem, a cada camada, extrair padrões cada vez mais abstratos, de modo a conseguir realizar classificações com acurácias incríveis. Em uma tarefa para lidar com imagens, por exemplo, a rede pode, em sua primeira camada, detectar as cores utilizadas; em camadas seguintes, pode identificar linhas, formatos, objetos e assim por diante, até ter uma compreensão holística do dado. De maneira simplificada, esse tipo de estrutura pode se tornar um verdadeiro especialista em problemas de classificação.
As redes generativas, por sua vez, também extraem padrões cada vez de mais alto nível em suas camadas. Porém, seu objetivo final é utilizar esses padrões aprendidos para gerar novos exemplos. Esse tipo de modelo possui dados ruidosos em sua entrada para que cada imagem, som ou texto gerado seja diferente um do outro – há um fator probabilístico envolvido.
Como funciona
Dessa forma, podemos entender como uma GAN conseguiria compor o terceiro movimento da sinfonia inacabada de Schubert. Uma rede classificadora primeiro analisaria as mais de 1000 composições criadas pelo artista, entendendo como suas melodias são formadas, que tipo de harmonia é utilizado, quais os instrumentos predominantes nas orquestras, dentre outros diversos aspectos do compositor romântico. Em seguida, uma outra rede seria treinada para conseguir gerar composições no estilo de Schubert. Por fim, as duas redes seriam postas para trabalhar em conjunto: a rede generativa tentaria, a cada iteração de treinamento, “enganar” uma rede especialista nas composições do autor e a rede classificadora compararia o exemplo de obra gerada com as composições reais.
Pontos negativos
Embora as aplicações das GANs sejam incríveis, também existem implicações negativas. Esse tipo de rede permitiu o surgimento do que é conhecido como deep fake, em que é possível criar vídeos falsificando falas de pessoas ou políticos famosos. Algumas outras aplicações envolvem a geração de fotografias realistas, previsão de vídeos, geração de fotos de animais, personagens de desenho, dentre outros. O Google Arts & Culture, por exemplo, permite que o próprio usuário transforme suas fotos para que virem pinturas em estilos de artistas como Van Gogh.
Discussão sobre arte
A arte e, particularmente, a música, embora existam no registro de todas as culturas humanas ao longo de toda a nossa história, elas ainda possuem seus mistérios. A música é capaz de produzir estímulos emocionais tão poderosos quanto drogas estimulantes. Assim, é uma expressão, não somente da criatividade humana, mas também da sua história, de como percebemos o ambiente à nossa volta e de como tudo isso pode ser traduzido em sentimentos.
Aparentemente, sabemos que a música é composta por 3 elementos básicos – ritmo, melodia e harmonia – que transformam o som em algo a mais, que não é percebido da mesma maneira pelas outras espécies conhecidas. Dessa forma, é difícil imaginar que uma Inteligência Artificial, criada a partir de um código de computador, pudesse participar desse mundo que é tão ligado à nossa natureza.
Essa não é a primeira vez que vemos uma forte participação da aprendizagem de máquina em algo que consideramos humano. O Xadrez é um jogo de tabuleiro secular, considerado ao mesmo tempo como um esporte, arte e ciência. Em 1997, um dos maiores jogadores de todos os tempos (Garry Kasparov), enfrentou a inteligência artificial criada pelo supercomputador da IBM, o Deep Blue. Kasparov foi derrotado de maneira icônica, o que se tornou um divisor de águas na história do esporte. Hoje em dia, é impensável que mesmo os melhores jogadores do mundo consigam vencer as máquinas. Embora haja essa superioridade, o público que assiste às competições entre os computadores é muito menor do que o que assiste às competições humanas. Os computadores hoje são ferramentas que auxiliam os jogadores a melhorarem, em vez de tomar seus lugares como protagonistas.
Redes neurais nas artes – Conclusões
As construções artísticas criadas por Inteligências Artificiais não ocupam o mesmo lugar que as geradas pela inteligência humana. Entretanto, as máquinas conquistaram seu espaço, com composições, quadros e outras formas de expressão de fato bonitas, mas que acabam servindo como ferramenta para auxiliar nossa criatividade, em vez de objetos finais artísticos. Além disso, hoje em dia, existem plataformas que auxiliam artistas na construção de melodias e harmonias por meio de redes neurais capazes de identificar padrões musicais. Isso facilita a criação da música e possibilita que pessoas sem um treinamento formal também possam se expressar de maneira que antes não conseguiriam. Portanto, é inegável a transformação que está acontecendo no meio artístico com a introdução dessas tecnologias. Esperamos que isso venha contribuir ainda mais com maneiras inovadoras para a expressão humana.
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Referências:
https://towardsdatascience.com/are-neural-nets-close-to-producing-real-art-6a3943b915ed | https://www.bbvaopenmind.com/en/articles/artificial-intelligence-and-the-arts-toward-computational-creativity/ | https://bgr.com/tech/nvidia-ai-fake-faces-look-100-percent-real-5665483/ | https://www.weareworldquant.com/en/thought-leadership/generating-art-from-neural-networks/ | https://www.youtube.com/watch?v=01Own2PW9mk&t=563s | https://www.youtube.com/watch?v=dCKbRCUyop8 | https://arxiv.org/pdf/1406.2661.pdf
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Autor
Graduado em Engenharia Elétrica pela UFCG. Possui experiência e interesse em Machine Learning e Análise de Dados.