Nos últimos anos, projetos de Inteligência Artificial e Analytics se tornaram cada vez mais complexos, envolvendo múltiplas áreas e profissionais com formações diversas. Em mais de uma década de experiência nesse cenário, aqui na Aquarela Analytics identificamos uma lacuna importante: as ferramentas tradicionais de gestão de responsabilidades, como a matriz RACI, já não eram suficientes para lidar com a realidade colaborativa desses projetos.
As matrizes de responsabilidade surgiram justamente para trazer clareza logo no início de um projeto. Elas ajudam a responder perguntas essenciais: Quem faz o quê? Quem é responsável por garantir a entrega? Quem precisa ser consultado antes de uma decisão? Quem deve ser mantido informado? Esse modelo, representado pelo acrônimo RACI (Responsible, Accountable, Consulted, Informed), é um clássico da gestão de projetos e tem sido utilizado em diversos setores há décadas.
Entretanto, quando aplicamos a Data Culture Methodology (DCM) — metodologia própria que estrutura a forma como conduzimos projetos de dados — ficou evidente que a RACI não refletia plenamente a dinâmica de times de dados, IA e analytics. Diferente de projetos lineares ou hierárquicos, a construção de soluções em dados é, por essência, multidisciplinar e colaborativa. Cientistas de dados, engenheiros, analistas e especialistas de negócio trabalham lado a lado, muitas vezes co-criando entregáveis que não podem ser atribuídos a uma única pessoa ou função.
Foi dessa necessidade prática que nasceu a RACID. A inovação está na inclusão da quinta letra, o “D – Desenvolve em conjunto (Develops together)”, que reconhece formalmente a coautoria. Com isso, papéis antes invisíveis passam a ser valorizados, reforçando a transparência, a colaboração e o alinhamento entre áreas.
Mais do que uma simples evolução da RACI, a RACID representa uma mudança cultural: um modelo de governança que coloca o trabalho em conjunto no centro da gestão de projetos de dados e inteligência artificial.
Definição da Matriz RACID
A matriz RACID é uma ferramenta de governança criada a partir da evolução da tradicional RACI, com o objetivo de refletir a realidade dos projetos de dados, IA e analytics. Se na RACI definimos quem executa (Responsible), quem responde (Accountable), quem deve ser consultado (Consulted) e quem precisa ser informado (Informed), a RACID acrescenta um quinto papel essencial: o “D – Desenvolve em conjunto (Develops together)”.
Esse acréscimo não é apenas uma letra a mais. Ele representa o reconhecimento formal de que, em projetos modernos e multidisciplinares, há sempre atores que não são apenas consultados ou informados, mas participam ativamente da construção da solução ao lado do responsável direto.Na prática, a RACID vem sendo utilizada pela Aquarela Analytics há mais de 10 anos em diferentes contextos. Um marco importante foi a dinâmica realizada em 18 de agosto de 2021, no Hospital das Clínicas de São Paulo, que reuniu lideranças de negócios, infraestrutura, banco de dados e inovação. O objetivo era criar barreiras claras de responsabilidade em torno das entregas de dados. Nesse exercício, ficou evidente o poder da RACID: cada papel foi distribuído com clareza, reduzindo dúvidas, sobreposição de funções e fortalecendo a colaboração.
Tabela 01 – Lista de Siglas para a RACID
Sigla | Significado | Explicação |
---|---|---|
R | Responsável | Quem executa a atividade ou tarefa |
A | Autoridade | Quem responde pela atividade e possui poder de decisão |
C | Consultado | Quem deve ser consultado e fazer revisão crítica do entregável |
I | Informado | Quem precisa ser informado sobre o andamento das atividades |
D | Desenvolve em conjunto | Quem colabora ativamente no desenvolvimento, sem ser o responsável direto |
Com essa estrutura, a RACID traz clareza e valoriza a coautoria, permitindo que papéis antes invisíveis sejam reconhecidos. Isso torna a matriz especialmente útil em contextos de dados e inteligência artificial, nos quais o trabalho conjunto é fundamental para alcançar resultados de qualidade.
Exemplo Didático: a RACID em um Churrasco entre Amigos
Para facilitar a compreensão da matriz RACID, vamos a um exemplo simples e cotidiano: a organização de um churrasco entre amigos no salão de festas de um prédio. Embora pareça uma situação trivial, ela ilustra bem como os papéis da matriz se distribuem em qualquer projeto, seja ele corporativo ou pessoal.
Imagine que cada linha da matriz representa (Tabela 02) uma atividade necessária para que o evento aconteça (comprar carne, reservar o salão, preparar os acompanhamentos etc.). As colunas representam os atores envolvidos: cada pessoa, grupo ou até mesmo o síndico do prédio pode assumir papéis distintos na RACID.
Tabela 02 – Exemplo didático de uma RACID
Como funciona na prática?
- R – Responsável: no nosso exemplo, o Sig é o responsável geral pela organização do churrasco. Cabe a ele coordenar as tarefas e garantir que o evento aconteça.
- A – Autoridade: a Michele, residente do prédio e responsável pela reserva do salão de festas, tem o poder final de decisão. Mesmo que Sig organize, Michele é quem autoriza a realização do evento.
- C – Consultados: o síndico e os cônjuges dos participantes precisam ser consultados antes da confirmação. Se o síndico não aprovar ou se os cônjuges não concordarem, haverá impactos diretos na execução.
- I – Informados: os vizinhos e demais amigos devem ser apenas informados. Não participam das decisões, mas precisam saber do evento para evitar conflitos.
- D – Desenvolvem em conjunto: aqui entram pessoas como o Marcos e o Fachin, que ajudam nas compras, cortes e preparo dos legumes. Eles não são os responsáveis finais pela tarefa, mas contribuem de forma ativa para que tudo dê certo.
Situação prática
Um ponto interessante surge na atividade de “comprar legumes”: o Flávio acumula os papéis de A e R — ele é tanto a autoridade quanto o responsável. Nesse caso, decide o que comprar e também executa a tarefa. Ainda assim, Marcos e Fachin aparecem como D, ajudando no processo.
Esse detalhe mostra que a matriz RACID é flexível: o mesmo ator pode assumir mais de um papel em uma atividade, desde que isso seja definido com clareza.
Lições do exemplo
- Sempre deve haver um responsável (R). A execução não pode ficar vaga.
- Idealmente há apenas uma autoridade (A). Caso contrário, cai-se no ditado: “cachorro com dois donos morre de fome”.
- R e A podem ser a mesma pessoa. Isso funciona bem em atividades menores, mas exige atenção.
- D, C e I são opcionais, mas altamente recomendáveis. Eles ampliam a transparência, garantem envolvimento e evitam falhas de comunicação.
- A ordem de importância na visão deste autor é:
- Responsável (R)
- Autoridade (A)
- Desenvolve em conjunto (D)
- Consultado (C)
- Informado (I)
Com esse exemplo, fica evidente como a RACID é intuitiva e aplicável em qualquer contexto. Ao mesmo tempo em que simplifica a compreensão dos papéis, ela reforça a importância da colaboração, dando visibilidade àqueles que contribuem ativamente para o resultado final.
Comparando RACI e RACID
A matriz RACI sempre foi reconhecida como uma ferramenta útil para dar clareza a papéis e responsabilidades. No entanto, sua estrutura clássica foca em dois pontos principais: quem executa (Responsible) e quem responde pela entrega (Accountable). Embora funcione bem em projetos lineares e hierárquicos, ela apresenta limitações quando aplicada a contextos colaborativos e multidisciplinares, como os de dados, inteligência artificial e analytics.
A introdução do “D – Desenvolve em conjunto” na RACID amplia significativamente esse alcance. Agora, além de definir responsáveis, autoridades, consultados e informados, a matriz passa a reconhecer formalmente os co-desenvolvedores, atores que não cabem apenas nas categorias de consultados ou informados, mas que contribuem ativamente para a construção da solução.
Tabela 03 – Comparando RACI e RACID
Critério | RACI | RACID |
---|---|---|
Visão tradicional | Estrutura clássica, com foco em quem executa (R) e quem responde (A). | Mantém clareza sobre execução e autoridade, mas adiciona o reconhecimento da coautoria (D). |
Colaboração | Pode deixar invisível o papel dos “co-desenvolvedores”. | Valoriza explicitamente quem atua lado a lado no desenvolvimento da solução. |
Projetos de dados | Funciona bem em contextos lineares, mas pode simplificar papéis complexos. | Reflete a realidade de equipes multidisciplinares (cientistas, engenheiros, analistas, negócio). |
Exemplo prático | Cientista de dados pode aparecer apenas como “consultado”, mesmo tendo criado parte essencial. | O mesmo cientista de dados aparece como “Desenvolve em conjunto”, reconhecendo sua contribuição ativa. |
Cultura de time | Estrutura útil, mas tende a reforçar hierarquias rígidas. | Estimula uma cultura colaborativa, horizontal e integradora. |
Benefícios | Clareza nos fluxos de responsabilidade e comunicação. | Clareza + reconhecimento do esforço conjunto, fortalecendo engajamento e inovação. |
Por que isso importa?
Nos projetos de dados e IA, muitas entregas são construídas em conjunto, exigindo que diferentes especialistas compartilhem responsabilidades criativas e técnicas. Se usarmos apenas a RACI, parte desse esforço coletivo se perde, e os papéis de colaboração acabam ficando invisíveis.
A RACID corrige essa lacuna: além de garantir a clareza e a objetividade que já existiam na RACI, ela traz pertencimento, engajamento e motivação ao reconhecer todos que realmente participam da construção do resultado.
O “D” na Prática em Projetos de Dados e IA
O “D – Desenvolve em conjunto” não é apenas uma coluna extra na matriz de responsabilidades. Ele representa uma forma diferente de enxergar a colaboração: como um processo ativo de coautoria, em que profissionais com diferentes expertises trabalham lado a lado na construção de soluções.
Ao incluir o “D”, a matriz RACID dá visibilidade a todos que participam da entrega final, sem tirar do R – Responsável a obrigação de garantir a execução. Essa distinção é crucial: o responsável continua sendo o ponto focal da tarefa, mas agora conta com suporte oficializado de pares que desenvolvem em conjunto.
Para tornar esse conceito mais concreto, vejamos dois exemplos práticos:
Exemplo 1 – Projeto de Machine Learning Industrial
Imagine um projeto de machine learning aplicado a processos industriais. O Cientista de Dados é o responsável direto (R), encarregado de treinar o modelo. No entanto, ele não atua sozinho:
- R (Responsável): Cientista de Dados que desenvolve e treina o modelo.
- A (Autoridade): Product Manager, que responde pelos resultados junto ao negócio.
- C (Consultado): Especialista do processo industrial, que fornece conhecimento crítico do domínio.
- I (Informado): Diretoria de Operações, que deve acompanhar o progresso.
- D (Desenvolvem em conjunto): Engenheiro de Dados e DevSecOps, garantindo pipelines, infraestrutura e segurança para que o modelo funcione em produção.
Neste cenário, o Cientista de Dados não carrega sozinho todo o peso da entrega. O “D” dá protagonismo ao Engenheiro de Dados e ao DevSecOps, reconhecendo que sem eles a solução não teria robustez ou aplicabilidade prática.
Exemplo 2 – Dashboard Executivo
Agora, considere o desenvolvimento de um dashboard estratégico para executivos. O Analista de BI é o responsável direto pela construção, mas o sucesso da entrega depende da colaboração de outras áreas:
- R (Responsável): Analista de BI, encarregado da implementação técnica do dashboard.
- A (Autoridade): Líder da área de Analytics, que responde pelos resultados.
- C (Consultado): Área usuária, que define métricas e indicadores de negócio.
- I (Informado): Conselho Executivo, que precisa acompanhar e validar os resultados.
- D (Desenvolvem em conjunto): Designer de UX e Engenheiro de Dados, responsáveis por garantir usabilidade, visualização eficiente e conexão técnica dos dados.
Nesse caso, a RACID evidencia que o dashboard não é apenas uma entrega do BI: o design de experiência e a engenharia de dados têm papel essencial, formalmente reconhecido como coautoria.
O que esses exemplos mostram?
- O R continua sendo o guardião da entrega.
- O D amplia a matriz, garantindo reconhecimento aos colaboradores diretos que tornam a execução possível.
- A autoridade (A) mantém o poder de decisão, sem ofuscar a contribuição de quem atua lado a lado no desenvolvimento.
- A RACID torna os papéis explícitos, evitando invisibilidade e fortalecendo o engajamento da equipe.
Benefícios da RACID na DCM
A Data Culture Methodology (DCM) é o guarda-chuva metodológico que orienta a forma como a Aquarela Analytics conduz seus projetos. Ela organiza práticas, artefatos e rituais que garantem que a cultura de dados esteja presente em cada etapa. Nesse contexto, a RACID se tornou peça fundamental, porque traduz na prática três pilares centrais da DCM:
- Reconhecimento – valoriza os co-desenvolvedores, trazendo visibilidade para profissionais que atuam lado a lado no desenvolvimento, mas que antes poderiam passar despercebidos.
- Transparência – define fronteiras claras de responsabilidade, reduzindo sobreposições de papéis e ambiguidades que frequentemente geram retrabalho.
- Colaboração – reflete a natureza multidisciplinar dos projetos de dados, nos quais cientistas, engenheiros, analistas e especialistas de negócio precisam atuar em conjunto.
Impacto prático
Na experiência da Aquarela, clientes e equipes internas relataram que o uso da RACID ajudou a solucionar cerca de 80% dos conflitos de responsabilidade em atividades críticas. O simples ato de tornar explícita a coautoria transformou discussões que antes eram fonte de atrito em alinhamentos produtivos.
Por esse motivo, em todos os projetos — sejam de consultoria, soluções customizadas ou Data Force — uma das primeiras atividades do gestor é conduzir uma reunião de alinhamento de atividades e responsabilidades. E, nesse momento, a ferramenta escolhida é sempre a RACID.
Mais do que uma matriz
A RACID não é apenas um quadro de siglas. Ela funciona como um instrumento de governança vivo, capaz de evoluir junto com o projeto. Ao formalizar a coautoria, ela ajuda a criar um ambiente em que a responsabilidade é compartilhada, mas sem perder clareza sobre quem responde pela entrega final. Isso fortalece a cultura data-driven, aproxima times e aumenta a maturidade das organizações em governança de dados.
Conclusão – De RACI a RACID
Projetos de dados e inteligência artificial são, por natureza, colaborativos. Não basta definir quem executa ou quem toma a decisão final: é preciso reconhecer também aqueles que constroem lado a lado a solução.
A evolução da RACI para a RACID reflete exatamente essa necessidade. Ao incluir o “D – Desenvolve em conjunto”, a Aquarela Analytics não apenas ajustou uma ferramenta de gestão, mas promoveu uma mudança cultural. A RACID passou a valorizar a coautoria, aumentar a clareza dos papéis e reduzir conflitos, fortalecendo a qualidade das entregas e o engajamento das equipes.
Mais do que uma matriz, a RACID é um instrumento de governança viva, que se adapta a diferentes contextos e garante que a gestão de projetos esteja alinhada à realidade das organizações orientadas por dados.Em última análise, a RACID não é apenas sobre gestão: é sobre construir juntos. É esse espírito que torna times mais fortes, organizações mais ágeis e resultados mais consistentes.
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Quem é a Aquarela Analytics?
A Aquarela Analytics é vencedora do Prêmio CNI de Inovação e referência nacional na aplicação de Inteligência Artificial Corporativa na indústria e em grandes empresas. Por meio da plataforma Vorteris, da metodologia DCM e o Canvas Analítico (Download e-book gratuito), atende clientes importantes, como: Embraer (aeroespacial), Scania, Mercedes-Benz, Grupo Randon (automotivo), SolarBR Coca-Cola (varejo alimentício), Hospital das Clínicas (saúde), NTS-Brasil (óleo e gás), Auren, SPIC Brasil (energia), Telefônica Vivo (telecomunicações), dentre outros.
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Ph.D. em Ciência da Computação pela Sapienza Università di Roma (Itália). Doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela UFSC. Mestre em Engenharia Elétrica – ênfase em Inteligência Artificial. Especialista em Redes de Computadores e Aplicações para Web, Especialista em Metodologias e Gestão para EaD, Especialista em Docência no Ensino Superior e Bacharel em informática.
Possui experiência acadêmica como Professor, Coordenador, Palestrante e é Avaliador ad hoc do Ministério da Educação (INEP) bem como da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (MEC) e do Conselho Estadual de Educação (SC).
Nas suas atividades profissionais, atua com de projetos nas áreas de: Ciência de Dados, Inteligência de Negócios, Posicionamento Estratégico, Empreendedorismo Digital e Inovação. Atua como Consultor na área de Projetos para Inovação e Soluções Computacionais Inteligentes utilizando Data Science e Inteligência Artificial.